O receio de que o Brasil seria um dos alvos principais do tarifaço global do governo de Donald Trump deu lugar a um certo alívio após a Casa Branca colocar o país na menor alíquota extra de importação (10%).
A tarifa vai encarecer produtos brasileiros comprados por empresas e consumidores americanos, mas com impacto bem menor do que outras nações, como Índia (26%), Japão (24%) e União Europeia (20%).
No caso da China, os produtos serão taxados em até 54%. O tarifaço tem provocado forte queda nas bolsas da Ásia e Europa nesta segunda (07/04). Em reação, Pequim anunciou tarifas retaliatórias de 34% sobre todos os produtos importados dos Estados Unidos a partir de 10 de abril.
Especialistas em comércio exterior e economistas ainda analisam os impactos das mudanças para o Brasil, mas a percepção é que, entre ganhos e perdas, o saldo tende a ser negativo devido à maior incerteza global e aos riscos para o crescimento econômico mundial, o que teria impacto sobre a atividade econômica brasileira.
A previsão de muitos economistas é que o tarifaço de Trump vai gerar inflação nos Estados Unidos, podendo esfriar a maior economia do mundo. Além disso, a Organização Mundial do Comércio projeta que o aumento das tarifas americanas vai reduzir em 1% o comércio mundial neste ano.
Por outro lado, potenciais ganhos para o Brasil com a nova configuração de comércio mundial também têm sido apontados.
Possíveis impactos positivos vão desde ganho de competitividade de produtos brasileiros no mercado americano, frente a produtos sobretaxados de outros países, a aumento das vendas de commodities para a China, já que o país tende a reduzir suas compras dos Estados Unidos.
Há também expectativa de que o aumento da tensão entre EUA e Europa possa impulsionar a implementação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, algo que pode ampliar as exportações da indústria brasileira.
No cenário macroeconômico, a desvalorização do dólar, que tem recuado globalmente desde a posse de Trump em janeiro, pode trazer alívio para a inflação brasileira, ao baratear produtos importados.
A trajetória da moeda, porém, continua incerta. Ela teve forte alta na sexta-feira (04/04), após a China reagir aos EUA, e fechou em R$ 5,83, ainda abaixo do recorde de R$ 6,26 alcançado em dezembro. O dia também foi marcado por fortes quedas nas bolsas de valores.
Para o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana, eventuais vantagens para o Brasil não compensarão o cenário global pior, com enfraquecimento do multilateralismo.
"Se os Estados Unidos conseguirem implementar essas medidas, pode ter como consequência, por exemplo, acelerar o processo do acordo Mercosul-União Europeia", disse Viana a jornalistas, na quinta-feira (03/04).
"Mas eu não estou querendo trabalhar a tese de tirar proveito, porque um mundo inseguro, um mundo em conflito, é ruim para todo mundo, inclusive o Brasil. Vai ser ruim para todos, independente de você ganhar mais aqui ou perder ali", reforçou.
Entenda melhor a seguir três possíveis impactos positivos.
Taxação de outros países pode abrir mercados para Brasil?
Apesar de, antes do anúncio do tarifaço, Trump ter citado o Brasil diretamente como um parceiro protecionista, o país ficou no grupo da tarifa extra mínima, de 10%, porque tem um comércio equilibrado com os Estados Unidos.
No último ano, o saldo ficou positivo para os americanos em cerca de US$ 300 milhões, com o país de Trump comprando US$ 40,4 bilhões em produtos do Brasil (12% das exportações brasileiras) e vendendo US$ 40,7 bilhões para cá (15,5% das importações do Brasil).
As tarifas mais altas foram aplicadas contra países com os quais os Estados Unidos têm grandes déficits comerciais.
Essa diferença pode criar oportunidades para o Brasil, projetam analistas. O principal impacto previsto é o aumento de vendas do agronegócio para a China, que deve reagir a sua taxa elevada reduzindo as compras dos Estados Unidos.
No primeiro governo de Donald Trump, esse efeito já foi observado, com alta nas exportações de soja do Brasil, nota Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Agora, o cenário é favorável para aumento das vendas de sorgo, já que Brasil e China assinaram um acordo no final de 2024 para aumentar as exportações desse cereal, lembra ela.
"Temos esse acordo de sorgo com os chineses. É algo que a gente quase não exporta, mas os Estados Unidos exportavam muito para eles", ressalta.
Valls, porém, está pessimista com o cenário mais amplo.
"Quando a maior economia do mundo faz uma série de medidas que simplesmente rompem com qualquer compromisso que se tinha de regras de comércio, é ruim para todo mundo", afirma.
Para a consultoria econômica MB associados, o tarifaço vai ampliar as trocas brasileiras com a China, que já é o maior parceiro comercial do país, seguida dos Estados Unidos.
"Hoje, a corrente de come?rcio [soma de importações e exportações do Brasil] com os chineses e? praticamente o dobro dos americanos [com o Brasil]. Na?o sera? dif??cil ver os chineses caminharem para US$ 200 bilho?es de corrente de come?rcio [com o Brasil] e os americanos ca??rem para US$ 60 bilho?es. O que era "apenas" o dobro se tornara? o triplo em alguns anos", diz relatório da MB associados.
"Os ganhos de balança comercial [para o Brasil] podera?o se acentuar nos pro?ximos anos, pois, ale?m das safras crescentes, a demanda chinesa por soja, milho e carnes dos EUA sera? desviada para no?s. O mesmo vale para as outras commodities.
Para a consultoria, "havera? uma tendência de aproximaça?o do Brasil tambe?m com o Sudeste Asia?tico, Japa?o e Europa, aumentando a corrente de come?rcio com esses países".
Além disso, há perspectiva de que alguns exportadores brasileiros possam ter ganho de mercado nos EUA, por causa das tarifas maiores impostas a outros países.
No caso do café, por exemplo, embora o produto brasileiro passe a ser taxado em 10%, outros fornecedores sofrerão tarifas ainda maiores, como Suíça (31%) e Vietnã (46%).
Para a gerente de Comércio e Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Constanza Negri, eventuais ganhos podem afetar alguns setores, mas o saldo geral é preocupante para a produção brasileira.
Ela ressalta que, embora a taxa global brasileira tenha ficado em 10%, alguns setores importantes serão impactados com taxas mais altas, como aço e alumínio, tarifados em 25% pelo governo Trump, independentemente do país de origem.
A medida é significativa porque produtos derivados de ferro e aço são o segundo item brasileiro mais exportado para os EUA, tendo somado US$ 2,8 bilhões em vendas em 2024, ficando apenas atrás de petróleo (US$ 5,8 bilhões).
Além disso, a Casa Branca impôs uma tarifa de 25% às importações da indústria automotiva, afetando exportações de autopeças do Brasil, nota Negri.
E há produtos para os quais o governo Trump disse ainda estudar novas tarifas, como cobre e madeira, esse último com mais relevância para o Brasil.
"A CNI recebeu a notícia [do tarifaço] com cautela e preocupação. A leitura precisa ser feita de maneira combinada, olhando essas questões setoriais e de alíquotas horizontais. E você vê que não está concluído o desenho desse mapa", ressalta.
Enquanto os chineses importam muitas commodities brasileiras, os Estados Unidos são o principal comprador de produtos manufaturados do Brasil, como insumos e equipamentos para sua indústria.
Os três itens mais vendidos aos americanos são petróleo, produtos semi-acabados e outras formas primárias de ferro ou aço, e aeronaves e suas partes.
Tarifaço pode mesmo impulsionar acordo Mercosul-União Europeia?
O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia está em sua fase final de implementação, após 25 anos de negociação, mas ainda enfrenta resistências dentro do bloco europeu, lideradas pela França, devido ao receio do setor agropecuário francês com a entrada maior de produtos sul-americanos.
Os dois blocos anunciaram em dezembro que chegaram a um acordo técnico, faltando agora etapas importantes para que o tratado seja assinado e entre em vigor, como a aprovação por duas instâncias que reúnem representantes dos países da União Europeia: o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu, sediados em Bruxelas, capital da Bélgica.
Segundo a agência de notícias Reuters, um porta-voz do bloco europeu disse que o acordo com o Mercosul seria uma "grande oportunidade" no novo contexto de incertezas geradas pelo tarifaço de Trump.
"Iremos investir muito tempo e energia com os Estados-membros para finalizar o acordo", acrescentou a fonte ouvida pela Reuters.
O acordo prevê a redução de tarifas de importação, que pode ser imediata ou gradual (em até 15 anos), a depender dos setores. Essa liberação vai atingir 91% dos bens que o Brasil importa da União Europeia e, do outro lado, 95% dos bens que o bloco europeu importa do Brasil.
Caso entre em vigor, o acordo vai alavancar alguns setores brasileiros (principalmente o agronegócio) e pode prejudicar outros, mas governo e economistas têm uma visão otimista sobre o saldo desse impacto para o crescimento do país.
Além disso, pode beneficiar o consumidor, com o potencial barateamento de produtos importados, como azeites, queijos, vinhos e frutas de clima temperado (frutas secas, peras, maçãs, pêssegos, cerejas e kiwis).
O tarifaço de Trump, porém, não reduziu a resistência francesa ao acordo, segundo o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain.
Em conversa com jornalistas na quinta-feira (3/4), ele pontuou a diferença de volume entre os negócios da União Europeia com os EUA e com o Mercosul.
"Um acordo permitiria desenvolver um pouco as trocas, mas não estamos de forma alguma nos mesmos níveis de valor", disse, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
"Pelo seu peso econômico e comercial, o que o presidente Trump e os Estados Unidos estão introduzindo na economia mundial é um cataclismo", acrescentou.
Recuo do dólar vai aliviar inflação no Brasil?
Após a forte disparada do dólar em 2024, quando chegou a R$ 6,26, a moeda tem recuado este ano no Brasil, acompanhando sua desvalorização global, e chegou a fechar em R$ 5,62 na quinta-feira (3/4), dia seguinte ao tarifaço.
Na sexta-feira, porém, a instabilidade gerada pela guerra comercial entre EUA e China, fez o dólar registrar forte alta para um único dia, fechando em R$ 5,83.
A queda recente da moeda pode segurar um pouco a inflação, num cenário em que a alta de preços tem pressionado a elevação de juros pelo Banco Central, algo que reduz o crescimento econômico.
Segundo relatório da consultoria econômica MB Associados, efeitos positivos do tarifaço para o Brasil vão contribuir para um dólar mais baixo.
"A ideia de uma balança comercial mais forte com os chineses e outros pa??ses, com os efeitos adicionais de, por exemplo, acelerar o acordo comercial com os europeus, tende a manter a taxa de ca?mbio mais baixa nos pro?ximos meses. Assim, o ca?mbio tende a se manter na faixa de 5,70 ao longo de 2025".
Isso, diz o relatório, vai evitar que o IPCA, índice de preços do IBGE, se distancie mais do limite da meta do Banco Central (4,5%) neste ano.
"O ca?mbio mais baixo esse ano ajuda o IPCA a se aproximar do nu?mero que ja? estimamos de 5,1% e afasta nu?meros acima de 5,5%, por ora", estima a MB Associados.
Já Claudia Moreno, economista do C6 Bank, considera que existe muita incerteza sobre os rumos da taxa de câmbio. Ela ressalta que, em momentos de crise e instabilidade, investidores costumam buscar aplicações mais seguras em dólar, o que valoriza a moeda americana.
"O que vai acontecer agora? É difícil saber. Hoje [sexta-feira], a gente teve um movimento de aversão a risco que acabou depreciando várias moedas de países emergentes, tal como o Brasil", nota ela.
"É muito difícil dizer o que vai acontecer pra frente. Será que a economia global vai entrar
Fonte:correiobraziliense